Nuvem do não-saber, A (séc. XIV)
Entre as obras místicas anônimas que chegaram até nós, duas merecem destaque: A Nuvem do não-saber e o Livro da orientação particular, ambas atribuídas a um autor místico inglês do séc. XIV, que permaneceu no anonimato. Essas duas obras figuram entre as dos grandes místicos como o *Pseudo-Dionísio, São *Bernardo, São *Boaventura, Mestre *Eckhart, São *João da Cruz etc.
Sua aparição num dicionário de autores cristãos obedece a múltiplas razões. Além da influência exercida por esses livros na espiritualidade de sua época, cabe a nosso tempo ter redescoberto
— depois de cinco séculos de esquecimento qua-se total — um autor que parece estar em moda nos movimentos de oração e meditação cristã e não cristã no Ocidente. “Neste clima — diz W. Johns —, os que procuram um guia místico não podem fazer nada melhor do que se dirigir ao autor anônimo do século XIV de A Nuvem do não-saber.”
“Trata-se de um inglês místico, teólogo e diretor de almas, que se situa em plena corrente da tradição espiritual do Ocidente. Um escritor de grande força e de notável talento literário, que compôs quatro tratados originais e três traduções”
(W. Johnston, Introdução à edição de A Nuvem do não-saber).
Suas duas obras principais e mais conhecidas
— como dissemos — são A Nuvem do não-saber e o Livro da orientação particular. Seguindo Johns, analisamos primeiro os pontos de inflexão do místico, para depois estudar rapidamente essas duas obras.
Ambas são tratados eminentemente práticos. Guiam o leitor no caminho da contemplação; não ensinam uma meditação discursiva. “Todo conceito, pensamento e imagem devem ser sepultados sob uma nuvem de esquecimento.” Entretanto, nosso amor nu — nu por estar despojado de pensamento — deve elevar-se até Deus, oculto por trás da nuvem do não-saber. Com a nuvem do não-saber por cima de mim — entre meu Deus e eu, e a nuvem do esquecimento debaixo —, entre todas as criaturas e mim, encontro nele silentium mysticum, que o autor inglês conhece pela obra do Pseudo-Dionísio.
— O ponto de partida básico no caminho para a união com Deus é a “perda do eu”. O sentimento da própria existência é o maior sofrimento para
o homem. “Todo homem tem muito motivo de tristeza, mas somente entende a razão universal da tristeza aquele que experimenta o que é (existe)”, diz-se em A nuvem. A razão dessa tristeza ou angústia está na separação de Deus. O sofrimento do homem não nasce de sua existência, mas de ser como é.
— “Ele é teu ser, e nele és o que és”. “Ele é teu ser, mas tu não és o dele.” Não basta aniquilar
o eu. De nada serviria afastar-se de tudo, inclusive de si mesmo. Todo o desejo do autor consiste em levar-nos à experiência de que “Ele é teu ser, e de que nele tu és o que és”. “Quanto mais unido estou a Deus, mais sou eu mesmo.” A união com Deus não destrói nem aniquila o “eu”.
— Essa união com Deus não é fruto do conhecimento, mas do amor. “Procura a experiência mais do que o conhecimento. Com relação ao orgulho, o conhecimento pode enganar-te com freqüência, mas esse afeto delicado e doce não te enganará. O conhecimento tende a fomentar a vaidade, mas o amor constrói. O conhecimento está cheio de trabalho, mas o amor é quietude.” Deus está no centro da alma que dirige.
— Não se entendem a oração e a contemplação, de que nos falam as duas obras, sem a presença de Cristo: o Homem, a Palavra encarnada. Cristo, que ao mesmo tempo é o porteiro e a porta. Cristo, centro do universo, que dá à contemplação uma dimensão cósmica e universal. Cristo, que ora interiormente em mim e se oferece a si mesmo ao Pai.
A Nuvem no não-saber é um livro de iniciação à contemplação amorosa de Deus, da alma guiada por seu espírito. Não é um livro para “intrigantes, aduladores, escrupulosos, alcagüetes, intrometidos e hipercríticos”. Consta de 75 capítulos. O Livro da orientação particular não tem divisões nem capítulos. É uma obra de maturidade, de leitura mais difícil, por sua precisão teológica e por sua profundidade espiritual. “É a obra de um amigo desejoso de ajudar e orientar. Tem a autoridade que convém a um homem que percorreu o caminho místico pessoalmente, e que dá a mão a quem quiser escutar suas palavras.”
Essas duas obras, escritas nos últimos anos do século XIV, refletem o ambiente e a mentalidade medieval em que foram criadas. Lembre o leitor que, nesse mesmo tempo, floresceram místicos como Juliana de Norwich, e mestre *Eckhart, *Tauler, Suso, Ruysbroek, Jacopone de Todi, *Catarina de Sena, *Ângela de Foligno e *Tomás de *Kempis.
BIBLIOGRAFIA: La nube del no-saber. El libro de la orientación particular. Introdução de William Johnston. Tradução de Pedro R. Santidrián. EP, Madrid 1984.
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