Paulo, Apóstolo, São (10-67 d.C.)
Saulo ou Saul, conhecido mais tarde como Paulo, nasceu em Tarso, Ásia Menor, de família hebréia, na primeira década do séc. I. Cidadão romano por seu nascimento numa cidade livre, foi educado, desde sua juventude, pelo sábio rabino Gamaliel, nas doutrinas dos fariseus. Grande inimigo da nascente Igreja e implicado na morte de Estêvão, o primeiro mártir cristão, sua vida mudou bruscamente por seu encontro no caminho de Damasco com o Senhor ressuscitado. Jesus manifestou-lhe a verdade da fé cristã e lhe deu a conhecer sua missão especial de apóstolo dos gentios (At 9).
Isso aconteceu pelo ano 36. A partir desse momento, dedicou toda a sua vida ao serviço de Cristo, que o havia “alcançado”. Depois de permanecer três anos no deserto da Arábia, voltou a Damasco, subiu a Jerusalém (pelo ano 39), e depois retirou-se para a Síria-Cilícia. Começou sua pregação em Antioquia e, em seguida, empreendeu sua primeira viagem apostólica (entre o ano 45-49): anunciou o evangelho em Chipre, Panfília, Pisídia e Licaônia. E então mudou seu nome de Saulo para Paulo, pelo qual será conhecido.
No ano 49 participou do Concílio Apostólico de Jerusalém, no qual foi reconhecida sua missão como apóstolo dos gentios, depois de a assembléia ter admitido que a lei não obrigava os cristãos convertidos do paganismo. Vêm em seguida a sua segunda e terceira viagens apostólicas entre os anos 50-52 e 53-54, respectivamente. No ano 58 foi detido em Jerusalém e mantido na prisão em Cesaréia da Palestina até o ano 60. No outono desse ano, o procurador Festo enviou-o em escolta a Roma, onde Paulo permaneceu dois anos (61-63). Cancelado o seu processo, ficou livre. É provável que nesta situação se dirigisse à Espanha, conforme seu desejo (Rm 15,24), e a outras regiões do Oriente. O último cativeiro em Roma terminou com o martírio, segundo a tradição mais primitiva, e que pode ser colocado pelo ano 67.
— A figura e a atividade de Paulo nos foram transmitidas fundamentalmente pelos Atos dos Apóstolos, dos quais é o personagem principal, e pelas 14 cartas que se conservam e que formam uma terceira parte dos livros canônicos do Novo Testamento. A literatura apócrifa tratou também de engrandecer a vida e os feitos de Paulo, ornamentando-os de fantasia e milagres. Sobre o valor dos Atos dos Apóstolos (*Lucas) como fonte para a vida de Paulo, ninguém duvida que oferece dados de primeira mão. De suas 14 cartas, 7 são consideradas autênticas: Romanos, 1 e 2Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1Tessalonicenses e Filêmon. A opinião dos estudiosos varia sobre a autenticidade de Efésios, Colossenses e 2Tessalonicenses. As cartas pastorais — 1 e 2Timóteo e a de Tito — consideram-se escritas depois de sua morte. Os dados dos apócrifos não têm, em seu conjunto, valor histórico.
— Paulo é, antes de tudo, um pregador do “querigma apostólico”, proclamação de Cristo crucificado e ressuscitado conforme as Escrituras. Seu evangelho não é “coisa sua”, é o evangelho da fé comum aplicado à conversão dos gentios. Suas cartas, então, nada mais são do que confirmação e ampliação da mensagem transmitida de viva voz às comunidades. Para nós, as cartas são, hoje, a voz e a doutrina de Paulo. Damos uma breve nota sobre elas:
— Carta aos Romanos. Escrita pelo ano 57, em Corinto, foi dirigida à comunidade de Roma, composta por cristãos, convertidos do paganismo, e por alguns judeus convertidos. O tema central é a ação de Deus através de Jesus Cristo para salvar a humanidade destroçada pelo pecado. A salvação do homem realiza-se pela fé em Jesus, o Messias, manifestação suprema de Deus ao homem. Em conseqüência, há uma mudança no íntimo do homem, efetuada pelo Espírito de Deus, que acaba com o domínio do pecado e permite uma vida nova. A salvação realiza-se por uma nova solidariedade do homem com o Messias, Jesus, o novo Adão, princípio de uma humanidade nova.
— Cartas 1 e 2Coríntios. 1Coríntios foi escrita aos cristãos de Corinto, provavelmente no ano 56. Seu objetivo é restabelecer a unidade da comunidade perturbada por elementos estranhos à doutrina pregada por ele três anos antes. 1Coríntios contrapõe Cristo-sabedoria de Deus à vã sabedoria do mundo; a fé em Cristo à orgulhosa confiança na razão do espírito grego dominante na cidade. As duas Cartas aos Coríntios não são um tratado; são respostas a problemas práticos colocados pela mesma comunidade cristã. Destacam-se, principalmente, o tema da ressurreição dos mortos, a celebração da Eucaristia, os dons ou carismas.
— Gálatas. Escrita entre os anos 54-57, Gálatas é o manifesto da liberdade cristã. Paulo
ensina que “o crescimento pessoal” a que Deus chama o homem não se obtém pela fidelidade minuciosa a um código de leis ou regras, mas pelo uso responsável da liberdade. A relação criadora do homem não se estabelece com um código, mas com Cristo, presente no profundo do ser. O guia da liberdade é o amor a si próprio e aos demais, que se identifica com o interesse ativo pelo bem do próximo (5,6.13.15). A carta é certamente autêntica e reivindica o apostolado de Paulo e sua doutrina. Reafirma a validade do Evangelho como contraditório à Lei e à espiritualidade legalista. O tema desta carta completa o tema da Carta aos Romanos.
— Filipenses é outra das cartas autênticas de Paulo. É a primeira das cartas chamadas do “cativeiro”, por tê-la escrito no cárcere. Sua data de redação está entre os anos 55 e 57. Filipenses é a carta da alegria cristã, inclusive diante da perspectiva da morte. A vida do cristão está centrada em Cristo no presente com a esperança do futuro e se manifesta no afeto, união, amor e alegria da comunidade, de onde é desterrada toda a rivalidade e orgulho.
A Filipenses devemos unir as cartas aos Colossenses e aos Efésios, também chamadas cartas do cativeiro. Essas duas cartas, no entanto, nem todos as reconhecem como autênticas de Paulo. Para a primeira propõem-se diversas datas de composição, que oscilariam entre os anos 54
63. Para Efésios, dá-se uma data posterior, entre os anos 80-100 de nossa era.
Em Colossenses, Paulo apresenta a plenitude de Cristo, que começa por uma renovação interior do homem e continua por uma associação à própria vida de Cristo, declarando que a ascética é impotente para renovar o homem. O resultado é a nova qualidade das relações humanas, opostas às vigentes no mundo, e que rompem as barreiras entre os homens. Em Efésios podemos apreciar o grande documento da unidade eclesial.
— 1 e 2Tessalonicenses. A primeira considera-se como autêntica de Paulo e foi escrita próximo ao ano 49-50. A autenticidade da segunda é incerta. Poderia ser atribuída a um discípulo de Paulo de finais do séc. I.
Em 1Tessalonicenses, Paulo aclara algumas dúvidas sobre a sorte dos mortos e sobre a vinda escatológica de Cristo. Corrige algumas deficiências na vida da comunidade, como a preguiça no trabalho e certa inquietude pela crença na volta iminente do Senhor. A 2Tessalonicenses propõe um ensino sobre a vinda do Senhor, que não coincide com a que se dá na primeira. Enquanto nesta se afirma claramente que não haverá sinais que anunciem a volta do Senhor, na segunda enumeram-se uma série de signos precursores. Tudo isso faz pensar num autor diferente e numa data também diferente da primeira.
— Carta a Filêmon. A mais breve das cartas de Paulo; é considerada “carta do cativeiro”, já que Paulo a escreveu do cárcere a Filêmon, um cristão poderoso, convertido por ele, e recomenda a Onésimo, escravo de Filêmon, fugido depois de cometer um roubo.
— Cartas a Timóteo (1 e 2) e a Tito. Chamadas, desde o séc. XVIII, “cartas pastorais”. São cartas individuais, não a comunidades cristãs. Tanto Timóteo quanto Tito foram companheiros e colaboradores de Paulo. A autenticidade dessas cartas é muito discutida. Tudo faz supor que foram escritas no final do século I. Seu texto gira em torno da organização e cuidado pastoral desses grupos de cristãos.
— Carta aos Hebreus. É, na realidade, um sermão que se envia por escrito para ser lido por outras comunidades, de estilo retórico e solene. Seu autor é um mestre judaico-cristão, muito versado na Escritura, com grande penetração teológica e grande domínio da língua. Seu estilo não se parece em nada ao de Paulo. Sua data de composição é incerta, embora anterior ao ano 96. Os estudiosos inclinam-se a não atribuí-la a Paulo, embora também não seja fácil atribuí-las a nenhum dos personagens do tempo. Seu autor, portanto, é anônimo.
A carta é dirigida aos hebreus, isto é, a cristãos convertidos do judaísmo. Adverte-os sobre a apostasia, oferecendo-lhes magníficas perspectivas sobre a vida cristã concebida como uma peregrinação em direção ao repouso prometido, à pátria celestial com Cristo como guia superior a Moisés. Para isso, contrapõe a pessoa de Cristo Sacerdote conforme a ordem de Melquisedec, e seu único sacrifício, o único válido, aos sacrifícios e sacerdotes do Antigo Testamento.
— Não é este o lugar e o momento de um estudo completo da personalidade e doutrina de Paulo. Basta afirmar a importância e influência decisiva que sua vida e sua obra escrita tiveram no cristianismo em geral e na vida dos cristãos em particular. Por sua vida, apresenta-nos como
o modelo de seguidor de Cristo, o modelo de quem deixou tudo por ele. Como evangelizador e escritor, foi o apóstolo e o mestre para a Igreja de todos os tempos. As diferentes interpretações que, ao longo do tempo, deram-se de Paulo e sua doutrina não anulam o magistério perene que exerce desde sempre. Paulo é de Cristo, e Cristo da Igreja.
BIBLIOGRAFIA: G. Bornkamm, Pablo de Tarso. Salamanca 1982; G. Eichholz, El evangelio de Pablo. Esbozo de una teología paulina. Sígueme, Salamanca 1977; J. A. Fitzmyer, Teología de San Pablo. Síntesis y perspectivas. Cristiandad, Madrid 1975; “Cuadernos bíblicos”, série de vários volumes sobre Paulo e suas cartas. Verbo Divino, Estella 1976s.
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