História da Igreja

Unamuno, Miguel (1864-1936)

Natural de Bilbao, concluiu o bacharelato nesta cidade, estudando filosofia e letras na Universi­dade de Madri. Sua primeira orientação filosófi­ca foi dominada pelo positivismo. Em 1894, três anos depois de ganhar sua cátedra de grego clás­sico na Universidade de Salamanca, ingressou no partido socialista e começou a escrever no jornal “A luta de classes”, de Bilbao. Em 1897, experi­mentou uma crise religiosa que o fez voltar a re­pensar os problemas religiosos da infância e seus próprios problemas como indivíduo, inauguran­do assim o que podemos chamar seu existencialismo. Nesta época, descobriu a obra e a personalidade de Kierkegaard, com quem tem numerosas afinidades.

De sua cátedra em Salamanca, desdobrou uma atividade extraordinária, dando aulas, escreven­do na imprensa diária e cultivando quase todos os gêneros literários: ensaio, teatro, contos, poe­sia, crônicas de estudo, crítica etc. Seus livros de maior significação filosófica, como Do sentimento trágico da vida, revelam uma grande influência da teologia protestante e uma primordial preocu­pação com os problemas do indivíduo enquanto ser limitado. “A limitação provoca a frustração do eu em sua ânsia de ser tudo sem deixar de ser ele mesmo. Essa problemática, somada aos conflitos fé-razão, lógica-biótica, tempo-eter­nidade, configura o horizonte existencialista em que se movem as reflexões unamunianas”

 

(M. A. Quintanilla, Diccionario de filosofía contemporánea).

A tese fundamental de Unamuno é a mesma que a do pragmatismo e de toda filosofia da ação: a subordinação do conhecimento, do pensamen­to, da razão à vida e à ação. “A vida — diz em Vida de Dom Quixote e Sancho —, é o critério da verdade e não a concórdia lógica, que é somente da razão. Se minha fé me leva a aumentar ou cri­ar vida, para que quereis mais provas de minha fé?” (c. 31). Além disso, em sua doutrina há um elemento irracional: a afirmação do caráter obs­curo, arbitrário, inconsciente e irracional de toda doutrina ou crença. Esse fundo irracional em que se apóia a filosofia unamuniana tem como base o inconsciente: é uma exaltação da fé pela fé, do crer pelo crer, da vida pela vida, que não precisa de nenhum critério racional e objetivo, pois a fé e

o crer não são mais que a própria vida. Mas a vida para ele não é algo abstrato: é mi­nha própria vida, meu próprio eu, que sou um homem de carne e osso. Concebe o homem como

um ser de carne e osso, como uma realidade ver­dadeiramente existente, como um “princípio de unidade e um princípio de continuidade”. Um in­divíduo real e atual com “fome de sobrevivência e afã de imortalidade”. A crença na imortalidade, em minha imortalidade, não consiste em uma pá­lida e desbotada sobrevivência das almas. Unamuno espera e proclama “a imortalidade de corpo e alma”, e precisamente do próprio corpo,

o qual se conhece e sofre na vida cotidiana. Essa esperança na ressurreição dos corpos, de base fun­damentalmente cristã, é rastreada por ele nos nu­merosos exemplos da sede de imortalidade, des­de os mitos e as teorias do eterno retorno até o afã de glória. E até na voz constante de uma dúvida que se insinua no coração do homem quando este afasta como molesta a idéia de uma sobrevi­vência.

— Como para Unamumo o homem é tudo em sua raiz, o tema de Deus só tem sentido quando aparece no horizonte existencial da ânsia huma­na de imortalidade. E como o homem aspira a ser mais homem, e o que o homem deseja ser não é outra coisa que Deus, assim Deus transforma-se no ideal do homem e da humanidade. O homem cria Deus. Deus em mim, para mim e a partir de mim, como iluminação de minha ânsia de imor­talidade. Deus é pessoal enquanto o homem tem experiência pessoal dele, sente-o atuar e viver em si mesmo. O Deus-razão é um Deus arbitrário. Só tem sentido o Deus-amor, que responde ao que

o homem precisa: um Deus vontade, amor, ideal, sofrimento, fim inefável e inacessível.

A fé e somente a fé consegue o encontro com esse Deus-amor. É uma fé porque cria o querer

— daí sua definição da fé como “criar o que não vemos” —, um crer de caráter imanentista, num esforço agônico de superação, que nunca se al­cança totalmente. No entanto, as verdades de fé, em sentido dogmático, são dogmas mortos (Diccionario de filósofos).

Que dizer desse pensamento e filosofia unamunianos? Devemos exaltá-lo como um gran­de místico ou cristão? Deve-se rebaixá-lo à con­dição de “herege e pai de hereges”, como alguém disse dele? “A esperança unamuniana — conclui Ch. Moeller — participa da esperança bíblica por seu projeto: eternidade, caridade, ressurreição, peregrinação pela infinitude de Deus; mas se opõe a ela por seu fundamento, pois repudia radical­mente toda luz. Como uma ponte sobre dois pila­res, a esperança cristã apóia-se na chamada feita por Deus e em sua promessa de salvar-nos. A es­perança unamuniana, ao contrário, é como uma ponte estendida sobre o vazio; seu vertiginoso arco repousa sobre um só pilar; nossa abismal recusa a morrer”. Eis, sem dúvida, a razão por­que o autor do sentimento trágico não cite jamais este texto da Bíblia: “Deus é luz...”.

“Unamuno pregou a esperança durante toda a sua vida ‘apostólica’; a cruz que sempre levava sobre o peito, procedente de sua mãe e a que fez acrescentar à célebre estátua de Victorio Macho, testemunham sua adesão definitiva à cruz, única salvação” (Ch. Moeller, Literatura del siglo XX y cristianismo, IV, 161-163).

BIBLIOGRAFIA: Obras completas. Ed. de M. García-Blanco, 1950-1958, 16 vols.; Julián Marías, Miguel de Unamuno 1948; Id.; La filosofía española actual: Unamuno, Ortega, Morente, Zubiri, 1948; Hernán Benítez, El drama religioso de Unamuno, 1949; Ch. Moeller, Literatura del Siglo XX y cristianismo, IV. 

 

CONTRIBUIÇÃO COM O SITE
 
marcio ruben
pix 01033750743 cpf
bradesco

Examinais as Escrituras!

FILOSOFIA