História da Igreja

Ciência e fé (Galileu)

O eterno problema entre razão e fé, ciência e fé, ciência e revelação manifesta-se claramente no conhecido “caso Galileu”. Desde então (séc. XVII), as relações entre ciência e fé, ciência e cristianismo têm sido definitivamente alteradas. Hoje podemos falar de um verdadeiro divórcio existente entre ambas. O séc. XVII havia conquis­tado a autonomia da ciência a tal preço e, conse­qüentemente, esteve preocupado em defendê-la. A história posterior demonstra que se dedicaram mais esforços para colocar a ciência numa pers­pectiva superior, do que em ressaltar os laços en­tre ciência e fé. Ainda hoje, apesar de sensíveis progressos, essa síntese, sem dúvida alguma, não tem sido realizada de forma satisfatória.

Galileu (1564-1642) nasceu em Pisa e morreu em Arcetri. Começou a ficar famoso e polêmico quando, em 1610, publicou sua obra Sidereus nuntius. O que expõe nesse livro? “Que a Lua apresenta, como a Terra, irregularidades em sua superfície. Que uma e outra giram ao redor do Sol. Que o Sol não é o centro do mundo; e que, além disso, a enorme multidão dos astros impede que se possa enumerá-los”. Todas essas afirma­ções escandalizam aquela época. Contradiziam formalmente o ensino da Igreja nesse campo. Esta, de fato, argumentava que a Terra é o centro do cosmos, segundo a velha teoria de Aristóteles e Ptolomeu, e considerada como a única de acordo com as Escrituras. Segundo ela, a interpretação literal da Escritura era contrária à doutrina de Galileu e, naturalmente, à de Copérnico, na qual se apoiava.

Tudo se agravou quando em 1615, em carta a Cristina de Lorena, Galileu lançou-se ao ataque, e do ponto de vista teológico fez duas afirmações:

1.       Separação de poderes entre Igreja e ciên­cia: cada uma tem seu próprio âmbito e não deve avançar em terreno alheio. “A Bíblia —diz — não foi escrita para ensinar-nos astronomia... A inten­ção do Espírito Santo não é mostrar-nos como funcionam os céus, mas como ir para o céu”.

2.       Em teologia afirma-se “que não pode ser considerado herético aquilo que antes não se de­monstre ser impossível ou falso”. Em conseqü­ência, pede a demonstração da falsidade de seu sistema.

 

Simplificando, os fatos que se sucederam fo­ram os seguintes: em 1616 era colocado no *Index de livros proibidos o De revolutionibus orbium coelestium, de Copérnico. Ao mesmo tempo, Galileu era intimado a não defender em público o sistema copernicano. A reação de Galileu consis­tiu em publicar, em 1632, os Diálogos sobre os dois grandes sistemas do mundo. Esses dois sis­temas são o antigo de Ptolomeu e o novo de Copérnico, resultando desacreditado o primeiro. No ano seguinte (1633), foram proibidos os Diá­logos. Declara-se Galileu “suspeito de heresia por haver acreditado e mantido uma doutrina falsa e contrária às santas e divinas Escrituras”. Recebe de joelhos uma fórmula de abjuração e submete­se solenemente a ela. “Eu, Galileu, florentino, de setenta anos de idade, de joelhos diante de vocês... juro que sempre acreditei, acredito agora, e com a ajuda de Deus continuarei acreditando no futu­ro em tudo o que a Santa Igreja Católica e Apos­tólica tem por verdadeiro, prega e ensina” (Texto da abjuração). Não obstante, é obrigado a resi­dência forçada em sua casa de Arcetri, perto de Florença, onde morreu, não sem antes publicar (1638) as Considerações e demonstrações mate­máticas sobre duas novas ciências, última expo­sição de seu pensamento.

Depois de três séculos e meio, o “caso” Galileu não perdeu nada de sua atualidade, porque Galileu foi o primeiro a questionar as relações entre a ci­ência e a religião, e reivindicar sua autonomia recíproca. Galileu foi certamente vítima de uma época de rigor da Igreja: era a hora da contra­ofensiva católica, acompanhada de uma atitude defensiva. “Galileu passou à história como o de­fensor dos direitos do espírito científico, da razão e da experiência frente ao espírito dogmático; como o artífice de uma revolução cultural e, a esse título, como o homem que abriu a era da ci­ência moderna”.

Contudo, isso não nos deve fazer pensar que ciência e fé, ciência e religião sejam contraditóri­as. Tanto no campo da filosofia quanto no da ci­ência, o século XVII apresenta numerosos casos de harmonia e união entre fé e razão, entre ciên­cia e cristianismo. Assim acontece na filosofia racionalista de Descartes, de Leibniz e de outros grandes filósofos, como Malebranche. A razão remete, em último instância, à fé e à teologia. E na vida prática esses autores combinaram suas vidas com os princípios cristãos. Quanto à ciên­cia deste século, homens como Pascal, Newton e muitos outros demonstraram que viveram em harmônica aceitação de sua fé cristã. No mesmo século XVIII — século da ciência empírica — encontramos muitos homens como Mersenne (ca­tólico), Willkins (anglicano) e o beneditino espa­nhol Feijoó que harmonizaram e conjugaram ci­ência e fé.

Em 1757, as obras de Galileu foram retiradas do Index. A Igreja de hoje reconheceu, por meio do Papa João Paulo II, a contribuição de Galileu à ciência. Contudo, a Igreja foi e continua sendo

o bastião do obscurantismo . Boa parte da apologética destes últimos séculos tem-se dedi­cado a rebater tal acusação sem consegui-lo to­talmente. Os séculos XVIII e XIX em particular trataram de construir uma ciência autônoma sem relação alguma com a fé, relação sentida e vivida como impossível.

BIBLIOGRAFIA: Le opere di G. Galilei. Firenze 1890­1909, 15 vols.; A mensagem e o mensageiro sideral; Opús­culos sobre o movimento da terra; Carta a Cristina de Lorena; Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mun­do ptolemaico e copernicano; R. Mondolfo, El pensamiento de Galileo y sus relaciones con la filosofía y la ciencia antiguas (1944); Georges Gusdorf, La revolución galiléene, 1969, 2 vols.; G. de Santillana, O crimen de Galileo, 1960.

 

CONTRIBUIÇÃO COM O SITE
 
marcio ruben
pix 01033750743 cpf
bradesco

Examinais as Escrituras!

FILOSOFIA