História da Igreja

Literatura atual e cristianismo

Na impossibilidade de apresentar todos os es­critores cristãos modernos, oferecemos um pano­rama da chamada “geração de profetas escrito­res”. “Nas três primeiras décadas do século XX

�.                 escreve Martín Descalzo — produz-se no mundo um fenômeno que, pelo menos por sua extensão e característica, é único na história de Igreja: o nascimento de um grupo de escritores

�.                 poetas, novelistas, autores teatrais — que des­de as filas da secularidade transformam sua arte literária numa muito especial apologética da fé” (2000 años de cristianismo, IX, 155).

 

A diferença que traz essa nova geração de “profetas escritores” à imensa obra escrita de au­tores cristãos de outros séculos é que se trata de escritores, não de pregadores; de apóstolos em luta por suas crenças, não de simples divulgadores do já aceito por todos. Trata-se de novelistas, dra­maturgos ou poetas que são fervorosos filhos da Igreja, mas que trabalham nela “livremente”, à margem das estruturas hierárquicas e às vezes contra a corrente em relação a elas. Embora em algum caso fossem apresentados como uma nova onda de pais da Igreja, eles se contentam, na rea­lidade, com ser seus filhos...

Não se trata desta vez dos clássicos crentes que, com sua boa fé, fazem má literatura, mas de um autêntico avanço da arte de escrever em nos­sos dias. Vinte deles, pelo menos, merecem figu­rar, (e figuram de fato) nas mais exigentes anto­logias da literatura contemporânea... Não se trata de escritores “morais” no sentido tradicional da palavra, que contraponham as boas “condutas” frente às más. São escritores teólogos — no me­lhor sentido da palavra —, que se aprofundam nas realidades transcendentes e na raiz dos pro­blemas religiosos do homem contemporâneo. Teologicamente, estão sempre na fronteira, na raia, quase sempre dez centímetros além da linha da ortodoxia, talvez porque toda verdade se torna desmesurada quando se vive...

Como surgiu esse grupo? Não certamente como uma “ação católica literária”, como “braço hierárquico na novela, no teatro ou na poesia”. Ninguém manda, organiza ou dirige esse grupo. Surgem quase contemporâneos em diversas na­ções, talvez como fruto das grandes inquietudes espirituais que acompanharam e seguiram a Pri­meira Guerra Européia.

Dividimo-los em quatro ou cinco grupos, se­gundo as nações:

1. Franceses. O grupo espiritualmente mais importante é o francês. Configura-se em volta da figura gigante de Léon Bloy, que criou um longo rasto de discípulos em todos os campos do pen­samento, por exemplo, Jacques e Raïssa *Maritain em filosofia, Rouault na pintura, os novelistas e escritores belga e holandês respectivamente Maxence van der Meersch e Pieter van der Meer de Walcheren, e outra longa fila como Péguy, *Bernanos etc.

Léon Bloy (1846-1917) deixou-nos o testemu­nho de uma fé ardente, bramante, patética, em luta constante contra a mentira dos ricos e em favor dos pobres. Restam-nos dele seus oito tomos de memórias e livros como O sangue do pobre; Exegese de lugares comuns; O desesperado; A mulher pobre etc. Apesar do desmesurado de sua literatura e de seu quixotismo religioso e patrióti­co, é um exemplo de união entre vida e obra, dor e criação artística.

Charles Péguy (1873-1914) apresenta-nos o exemplo de sua vida dramática entre o socialis­mo utópico e sua fé no próprio limite da Igreja: “Uma espécie de herege fervorosíssimo, de não praticante que não saísse jamais da oração”. “Um dos cristãos mais vivos e sangrantes de nosso sé­culo.” De sua fé dramática restam-nos os teste­munhos de O mistério da caridade de Joana d’Arc; O pórtico da terceira virtude; O mistério dos santos inocentes, e suas inesquecíveis Tape­çarias.

Outro dos grandes escritores franceses dessa época é G. *Bernanos (1888-1948), de quem já falamos. E Paul Claudel (1868-1955), que reen­contrará a fé perdida após uma longa peregrina­ção pela África e por todos os abismos do peca­do. Deixou-nos, em sua obra barroca e empola­da, um dos testemunhos mais vivos dos grandes problemas do homem contemporâneo em quatro livros fundamentais: Partilha do Sul; O sapato de cetim; o Livro de Cristóvão Colombo e A anunciação a Maria. Paul Claudel continua sen­do o grande poeta, apesar de suas intransigências de cruzada ou de certas defesas do nacional-cato­licismo.

O mais importante deste grupo é o novelista François Mauriac (1885-1970). Sua densa novelística cria um mundo de pecadores e de ar­dentes procuradores da graça. Novelas como o Mistério de Frontenac; Nó de víboras; TeresaDesqueiroux, e outras, poderão envelhecer em suas formas, mas não no profundo tremor de seu espírito.

O mesmo tremor interior qualifica a obra de Julien Green (1900-). Green é um novelista a quem ninguém pode ler sem se sentir empurrado para as mais radicais meditações e ao mais brutal choque com o mundo sobrenatural. Moira; Leviatã; Varouna; Cada homem em sua noite, e seu extenso Diário são testemunhos de um espí­rito doentio, porém, profundamente aberto para a transcendência.

Junto a esses, citamos uma lista interminável de escritores franceses que, embora menos conhe­cidos, não deixam de ser importantes. Assim, Joseph Malègue (1867-1940), autor da obra pro­vavelmente mais importante do pensamento reli­gioso contemporâneo: Agostinho. Uma novela que é uma minuciosa análise da fé no homem de hoje e um canto inesquecível ao “mistério da doce humanidade de Jesus”. No terreno restritamente literário seguem-lhe Charles du Bos (1883-1939), Henri Gheon (1875-1974). E outros muito próxi­mos a nós como Cesbron, Renard, Luc Estang, Jean Cayron, Jean Sullivan, Daniel Rops etc. (Para outros pensadores franceses da época, ver *Blondel, *Gilson, *Teilhard de Chardin, *G. Marcel).

2. Escritores de língua inglesa. Semelhante ressurgir de escritores profetas encontramos nas regiões de língua inglesa. De alguns deles apre­sentamos referências especiais (*Newman, J. H. *Chesterton, *Graham Greene, *Merton). Den­tre os numerosos escritores de língua inglesa merecem ser citados Bruce Marshall, autor de obras como O mundo, a carne e o P. Smith; O milagre de padre Malaquias; A cada um seu di­nheiro. Essas obras são animadas pelo humor, pela luz e pela mais terna alegria, afastadas de toda complicação novelística. Maior qualidade alcan­ça a obra do inglês Evelyn Waugh (1903-), prodí­gio da ironia e do melhor humor inglês. Obras como Um punhado de pó; Retorno a Brideshead etc., acrescentam a todo o conjunto de escritores crentes um rosto, o risonho e feliz, que os escri­tores do grupo francês jamais souberam pintar nos crentes. Na mesma linha cabe citar o australiano Morris West, autor de duas obras que prometiam um grande novelista religioso: O advogado do diabo, e As sandálias do pescador. Junto a Morris West, é justo citar dois novelistas: Cronin e Morton Robinson, autores de novelas como As chaves do reino e O cardeal, ambas levadas ao cinema.

Seria injusto não mencionar o grande histori­ador e crítico, Hilaire Belloc, amigo de *Chesterton; o monsenhor Ronald Knox, brilhante escritor de ensaios e novelas policiais e sábio tra­dutor da Bíblia para o inglês.

Na lista de escritores cristãos de língua ingle­sa, merece um lugar especial o “anglocatólico” e grande poeta Thomas Eliott (1888-1965). Sua peça de teatro Assassinato na catedral é uma das obras fundamentais da espiritualidade literária atual. E sua obra poética Quarteto alcança o mais alto destaque da poesia religiosa.

3. Itália e Alemanha oferecem uma boa amos­tra de escritores-profetas desta geração. O nome mais conhecido na Itália é o de Giovanni Papini (1881-1956). Tenso lutador do espírito, procura­dor incansável — considerava a si próprio um “pequeno Unamuno” —, deixou uma obra vastíssima e irregular. Suas Cartas do papa Celestino VI e sua Vida de Cristo — em algumas de suas páginas — jamais serão esquecidas. Jun­to a Papini cabe citar Carlo Coccioli com sua no-vela O céu e a terra; Hugo Betti (1892-1953), com obras tão perturbadoras e vertiginosas como

Delito na ilha das cabras; Corrupção no palácio de Justiça e, principalmente, O jogador. Também se deve acrescentar a obra de Diego Fabri. Suas duas peças teatrais: Vigília de armas e O proces­so de Jesus tiveram seu êxito durante algum tem­po. E. I. Silone, ex-comunista, cuja obra Aventu­ra de um pobre cristão é uma das peças-chave da literatura católica contemporânea. E como não recordar G. Guareschi com seu inesquecível Dom Camilo?

A literatura de caráter cristão na Alemanha é menos conhecida entre nós. Cabe destacar a figu­ra de Gertrudis von Le Fort (1876-1971), conver­tida ao catolicismo em 1925. Ofereceu-nos algu­mas das obras mais belas e atuais da literatura deste século, como por exemplo: O véu de Verônica; A última no cadafalco; O papa do gueto, em que dá forma e vida a decisões de fé.

4. Na Espanha contamos com dois soberbos personagens de tendências literárias e feições bem diferentes. O primeiro, Marcelino Menéndez y Pelayo (1856-1912), escritor, crítico e pesquisa­dor. Entre suas melhores obras, fruto de uma ex­traordinária formação humanística, de uma gran­de sensibilidade crítica e de um profundo patrio­tismo, e ao mesmo tempo de uma religiosidade profunda levada com freqüência até à polêmica, devemos mencionar: História das idéias estéti­cas na Espanha; A ciência espanhola, e Históri­as dos heterodoxos espanhóis. Com freqüência, a direita eclesiástica e política espanhola viram­no como apoio e defesa de ideais patrióticos e cristãos vinculados ao passado.

Do lado oposto coloca-se Miguel de *Unamuno, que abre um sulco inesquecível de preocupações com a Espanha atual e com o trans­cendente cristão.

No campo estritamente literário, apenas en­contramos as tentativas mais catequéticas de Pemán ou Calvo Sotelo; os mergulhos de Car­men Laforet em A nova mulher; de José Mª Gironella em sua trilogia da guerra civil espanho­la; e de M. Delibes em seu encontro com a alma castelhana de suas novelas. Talvez seja preciso fazer uma exceção a essa falta de literatura cristã atual na Espanha e América Latina: a de José L. Martín Descalzo, jornalista, poeta, dramaturgo e novelista que levou a seus escritos a preocupação com os temas cristãos numa prosa limpa, cheia de sinceridade e luz. A ele se devem em parte as opiniões deste artigo sobre literatura e cristianis­mo. Há uma falta de escritores cristãos no “boom” da recente literatura latino-americana, tão prolí­fica e tão em evidência atualmente.

Porém, deve-se ressaltar a criação poética es­panhola de caráter religioso intimista de um Dâmaso Alonso, Filhos da ira, de Luís Rosales, Gerardo Diego, José Mª Valverde Versos do do­mingo — e inclusive Leopoldo Panero...

5. Em outras nações européias encontramos também nomes significativos: a norueguesa Sigrid Undset, o dinamarquês Pär Lagerkwist, o grego Nikos Kazantzakis e o polonês Jan Dobraczynski. E tantos outros que produziram obras de alto in­teresse religioso.

BIBLIOGRAFIA; J. L. Martín Descalzo, Una generación de profetas-escritores, em 2000 años de cristia­nismo, 9, 159s.; Ch. Moeller, Literatura do século XX e cris­tianismo. 

 

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