História da Igreja

Ockham, Guillerme de (1295-1350)

Conhecido com vários nomes como “doctor invincibilis”, “princeps nominalistarum”, “venerabilis inceptor” etc., cada um deles refle­tindo aspectos diferentes da personalidade poliédrica de seu autor. Ockham foi a última gran­de figura da escolástica que enfrentou o mesmo sistema escolástico que o precedeu, e o poder dominante do papa.

Nascido em Ockham, sul da Inglaterra, ingres­sou muito cedo nos franciscanos. Estudou em Oxford, onde deu aulas sobre a Escritura e sobre as Sentenças de *Pedro Lombardo, de 1312 a 1323. Seu nome apareceu pela primeira vez em 1324, quando foi intimado a declarar-se diante da corte papal de Avinhão. Num processo que durou dois anos, foram censuradas 51 de suas proposições tiradas de seu comentário às Senten­ças.

Estando em Avinhão, viu-se envolvido na po­lêmica entre os franciscanos e o Papa João XXII sobre a pobreza de Cristo. Em 1328, fugiu de Avinhão, junto ao general da ordem, M. de Cesena, para refugiar-se na corte do imperador Luís de Baviera, primeiro em Pisa e depois em Munique, onde permaneceu provavelmente o res-to de seus dias. Aí sua atividade mudou de signo: da teologia passou primeiro à polêmica, e logo depois à política. Parece que viu cumprido seu desejo diante do imperador: “Tu me defende gladio, ego te defendam calamo”. Foi enterrado no Convento de Franciscanos de Munique. A ati­vidade literária de Ockham pode ser dividida em três etapas consecutivas: 1) A filosófico-teológi­ca, pertencente à primeira época de Oxford. 2) A polêmica religiosa na defesa da posição dos franciscanos. 3) A polêmica política em apoio a Luís de Baviera, tal como se produziu nos últi­mos anos.

O padre Ph. Bochner classifica as obras de Ockham em políticas e não-políticas, incluindo nestas últimas as lógicas, as físicas e as teológi­cas.

�.                 Lógicas. Entre as lógicas, sobressai a Summa totius logicae (antes de 1328), sua obra fundamental nesta matéria; Expositio super librum Porphyrii; Expositio super librum Praedicamentorum; Expositio super librum Perihermeneias.

�.                 Físicas: Expositio super octo libros Physicorum; Summulae in libros Physicorum.

�.                 Teológicas: Ordinatio Ockham. Comentá­rio aos quatro livros das sentenças de Pedro Lombardo. Sua obra mais polêmica: Tractatus de corpore Christi; Tractatus de sacramento altaris; Tractatus de praedestinatione et de praescientia Dei etc.

�.                 Políticas. A obra polêmico-política de Ockham foi dirigida especialmente contra João XXII e Bento XII. Mencionamos suas principais obras: Dialogus inter magistrum et discipulum de imperatorum et pontificum potestate (entre 1332­1339); Octo quaestiones super dignitate et potestate papali; Tractatus de imperatorum et pontificum potestate; Breviloquium de principatu tyrannico papae etc.

 

A atividade literária de Ockham nasce de uma única posição: “A aspiração à liberdade da pes­quisa filosófica e da vida religiosa”. “As asserções não devem ser — diz — ordenadas ou colocadas em censura por ninguém solenemente, porque nelas qualquer um deve ser livre para expressar livremente o que lhe parecer” (Dialogus, I, tract. II, q. 22). É a primeira vez que se faz semelhante reivindicação.

A partir dessa postura de liberdade total, Ockham enfrentou a escolástica tradicional

 

— leia-se tomismo — com uma atitude crítica. A “navalha de Ockham” foi direto às questões fun­damentais. Assim: a) É preciso aplicar uma eco­nomia que suprima todos os entes não necessári­os... b) O conhecimento intuitivo intelectual do singular concreto é o único elemento positivo e ponto de partida para um conhecer real e verda­deiro. c) Não há leis absolutas derivadas das ne­cessidades essenciais das coisas. Era a negação da metafísica. d) Os universais são simples con­ceitos representativos e, portanto, não reais. Os universais como conceitos só existem na mente: são termos, vozes, nomes. Daí o nominalismo que tem Ockham por pai e príncipe. e) O fundamento de todo conhecimento está na experiência, rechaçando tudo quanto transcende os seus limi­tes. Temos em Ockham a origem do empirismo moderno, base da ciência empírica ou dos fatos.

— A mesma postura de liberdade dirige sua navalha a cortar tudo o que seja aderência inútil em filosofia natural (física) e teologia. Daqui nas­cem suas negações metafísicas, teológicas e mo­rais. Ockham arrasa com tudo o que havia construído nestes campos a escolástica, particu­larmente a aristotélico-tomista. Assim: a) Nega a doutrina da analogia do ente e sustenta a sua unicidade. b) Ignora a teoria do ato e da potência, e nega a distinção real entre essência e existên­cia. c) Afirma que o princípio de contradição não é aplicável em Deus. O princípio de causalidade também não é válido para os seres vivos. E sua formulação: “Toda causa tem seu efeito” é ilegí­tima. Tampouco se pode provar a finalidade para seres que carecem de consciência e vontade etc.

— Transporta para o âmbito da fé todo conhe­cimento e certeza que superam a própria experi­ência. Em conseqüência: a) Não se pode saber com certeza evidente — nem mediante o raciocí­nio, nem pela experiência — que a alma intelectiva seja a forma do corpo humano, nem que o entender de tal substância esteja no homem. Tudo isto o sabemos somente pela fé. “Todas as demonstrações da espiritualidade da alma deixam

dúvidas e incertezas.” b) Não se pode demonstrar com razões convincentes que a vontade seja li­vre. Somente a liberdade é testemunhada pela experiência íntima. c) Também não se pode de­monstrar a existência de Deus nem com argumen­tos a priori nem a posteriori. Não basta ter a sim­ples idéia de Deus para afirmar sua existência, porque muitos a têm e não admitem a existência de Deus. Também não é concludente partir da existência do movimento. “Omne quod movetur ab alio movetur” não é aplicável aos seres vivos. E não se pode demonstrar a impossibilidade do processo “ad infinitum” dos moventes movidos e das causas causadas. d) Mesmo assim não se pode demonstrar a unicidade de Deus, porque é indemonstrável a unicidade da primeira causa. E assim outras verdades relativas ao auto-reconhe­cimento de Deus, do futuro etc. Com a razão não se pode demonstrar que Deus conheça o futuro, nem que aja livremente, nem que esteja neces­sitado intrinsecamente de agir (In I Sent., d. 35, 48, 72).

— As seqüelas de sua postura na moral não são menos radicais: a) Nega a moralidade intrín­seca dos atos humanos. O critério de moralidade é realmente extrínseco: a vontade de Deus. b) Todos os atos humanos são bons ou maus, con­forme sejam mandados ou proibidos por Deus. Mas nenhum ato humano é mandado ou proibido por Deus porque seja bom ou mau em si mesmo. c) A Deus lhe é lícito fazer tudo o que nas criatu­ras seria pecado e que nele não é porque não há ninguém que o proíba. Poderia mandar às criatu­ras que o odiassem, e então o ódio a Deus seria bom e meritório (In IV Sent., q. 9). Tal é, em resu­mo, a doutrina ética voluntarista de Ockham.

— Com relação à sua doutrina política, pode­ríamos resumi-la nestes pontos: a) O poder resi­de no povo. b) O poder imperial teve sua origem na vontade do povo romano. Tal poder passou dos romanos aos gregos, aos francos e aos germanos. c) Nenhum poder humano pode ser superior ao imperial. Nada no mundo seria capaz de destruí­

lo (Diálogo, 3, 2, 1, 27-29). d) O poder do impe­rador estende-se sobre toda a terra. e) O impera­dor — como autoridade suprema, cristã e romana

— tem o direito de escolher o papa, embora de fato essa eleição a façam os cardeais. f) Em con­seqüência, o imperador tem o direito de julgar um papa que caiu em heresia. Da mesma forma pode depô-lo por esse motivo e por qualquer outro de­lito. g) Não tem sentido a existência de dois po­deres supremos na cristandade. Basta um só, e este deve ser o do imperador, por ser historica­mente anterior ao do papa (Diálogo, 3, 2, 3). h) O poder do papa sobre os bens temporais e sobre os estados pontifícios não é bíblico nem autêntico (Breviloquium).

 

BIBLIOGRAFIA: Ópera omnia philosophica et theologica, aos cuidados de E. M. Buytaert, G. Mohan, Lovaina, 25 vols., 1961ss. (em publicação); Opera philosophica et theologica ad fidem codicum manuscryptorum edita. St. Bonaventure University, New York 1967ss.; Opera politica, por R. F. Bennet e H. S. Hoffler, 3 vols.; Tratado sobre los principios de la teología. Aguilar, Buenos Aires 1980; Sobre el poder tiránico del papa, Trad. de Pedro R. Santidrián. Madrid 1991; E. Gilson, A filosofia na Idade Média, 591-640, com a bibliografia ali reunida. 

 
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