História da Igreja

Cusa, Nicolau de (1400-1464)

Nicolau Krebs (caranguejo) é conhecido co­mo o Cusano ou de Cusa, pela cidade de Cues (Trier), onde nasceu. Sua vida intensa apresenta as facetas de estudioso, pesquisador, conhecedor de códices e manuscritos antigos gregos e lati­nos, diplomático e homem de Igreja, filósofo e teólogo. Sua doutrina e filosofia são, na realida­de, sabedoria. Solitário e não adscrito a nenhuma escola, pensa por conta própria. Quis procurar razões últimas para sua profunda vivência huma­na e cristã. Sem dúvida por isso, sua filosofia e sua vida são objeto de permanente estudo. São de uma paixão e intensidade tais que pode ser pro­posto como modelo de todo pensador e homem de ação cristão.

Nicolau Cusano iniciou seus estudos entre os Irmãos da Vida Comum de Deventer (Holanda). Passou depois para a Universidade de Heildelberg, para doutorar-se logo depois em Direito, em Pisa. Em Roma iniciou sua vocação e carreira eclesi­ástica, que exerceu em Colônia como um dos se­cretários do legado papal Cesarini. Aqui se inicia no manejo e conhecimento de códices e manus­critos da biblioteca da catedral de Colônia. Essa primeira afeição se reforça com humanistas che­gados para o Concílio de Basiléia (1433-1437). Ampliou também suas pesquisas a manuscritos gregos com vistas ao Concílio de Florença (1438). Foi amigo pessoal de Gutenberg e apoiou a arte da imprensa, de tal modo que, graças a ele, foi possível durante sua estada em Roma e Subiaco a publicação dos que hoje são os primeiros incunábulos da Itália.

Sua condição de experto permitiu-lhe assistir aos Concílios de Basiléia e Florença. Para prepa­rar este último, foi enviado a Constantinopla, in­tervindo ativamente no problema da união das Igrejas Grega e Latina. Seus últimos quinze anos (1449-1464) puseram em relevo sua índole pas­toral, primeiro como cardeal da Igreja, como visitador apostólico na Alemanha, Países Baixos e Boêmia, e finalmente como bispo de Brixen e vigário do papa em Roma. As relações, os discur­sos, as cartas, os projetos e os decretos desta épo­ca demonstram a dignidade, o zelo e inclusive o rigor com que concluiu sua missão contra os mui­tos desvios que minavam os costumes e a fé da­queles tempos tão próximos já da Reforma.

— A obra escrita de Cusa é imensa. Sua pro­dução corre ao longo de toda a sua vida. Começa com sua primeira obra polêmica De concordantia catholica, que apresentou ao Concílio de Basi­léia (1433). Reconhece o primado da sede de Roma. Sustenta que nenhum Concílio é legítimo se o papa não participa diretamente ou por repre­sentação. Mas, uma vez convocado ao Concílio,

o papa está obrigado a aceitá-lo e a executar suas resoluções. Logicamente, o Concílio somente é infalível como representante único de toda a Igre­ja. A partir de 1436, Cusa defenderá a suprema-cia papal.

— Mas Cusa é conhecido principalmente pela sua obra De docta ignorantia (1440), seguida nesse mesmo ano por De coniecturis, em três li­vros — Deus, universo e Cristo como união de ambos. Nesta mesma linha filosófico-teológica estão o livro Idiota (1450), que compreende o De sapientia (dois livros), o De mente e o De staticis experimentis. Importantes são também a Apolo­gia doctae ignorantiae (1449), o De venatione sapientiae (1463), e sua última obra De apice theoriae (1464). Além de outros tratados especi­ficamente teológicos e de outros científicos como De mathematicis complementis (1450-1457), De circuli quadratura (1453-1454) e De mathematica perfectione (1458), devemos assinalar suas nu­

merosas cartas e sermões, muitos dos quais per­manecem inéditos.

— Na viagem de regresso da Grécia, Nicolau Cusano teve a inspiração de sua doutrina funda­mental da docta ignorantia e que expôs em suas duas obras acima mencionadas:

— “O ponto de partida é uma precisa determi­nação da natureza do conhecimento tomando como modelo o conhecimento matemático. A possibilidade do conhecimento reside na propor­ção entre o desconhecido e o conhecido. Pode-se julgar aquilo que ainda não se conhece somente em relação àquilo que já se conhece, mas isto so­mente é possível se aquilo que ainda não se co­nhece possui certa proporcionalidade com o que se conhece. O conhecimento é tanto mais fácil quanto mais próximas das coisas conhecidas es­tiverem aquelas que se pesquisam; daí se conclui que quando o que se ignora e se procura não tem proporção alguma com o conhecimento que já possuímos, este escapa a toda possibilidade de conhecimento, e a única coisa que se pode fazer é proclamar a própria ignorância. Esse reconheci­mento da ignorância, esse saber que não se sabe, é a docta ignorantia”.

— A atitude da docta ignorantia é a única possível diante do ser como tal, ou seja, diante de Deus. Esse é, de fato, o grau máximo do ser e, em geral, da perfeição; é “aquilo com relação ao qual nada pode ser maior”. Deus é o infinito, e entre o finito e o infinito não existe proporção. Daí se conclui que o homem não pode chegar ao conheci­mento de Deus.

 

Com relação ao relacionamento entre Deus e o mundo em De coniecturis, De idiota e em De visione Dei, Cusa enfatiza a inacessibilida­de da transcendência divina, afirmando que a úni­ca fórmula para expressá-la é a coincidentia oppositorum — a coincidência dos opostos —, coincidência do máximo e do mínimo, da com­plicação e da explicação, do tudo e do nada, do criar e do nada. Essa coincidência, porém, não pode ser entendida nem alcançada pelo homem, e assim Deus está além de todo conceito hu­mano, como o infinito absoluto com relação ao qual são inúteis todos os passos para aproximar­se dele.

 

�.                 Com relação ao homem, a criatura não é mais do que um “Deus ocasionado” ou um “Deus criado” que não pode aspirar a ser mais do que é, e somente desta maneira chega de certa forma a reproduzir a infinitude de Deus. O valor que a criatura possui dentro de si, em sua limitação, é claramente manifestado pela encarnação do Verbo. Pelo fato de ter adquirido a natureza hu­mana, reúne e unifica em si todas as coisas, eno­brece e eleva, junto com o homem, todo o mundo natural.

�.                 O julgamento que a pessoa mereceu e a doutrina desse grande homem, estão acima de toda ponderação. Viveu numa época de profunda crise, “crise de todo tipo de autoridade, divina e humana, papal e imperial, religiosa e civil, e tra­tou de reagir contra isto, unindo Deus e o direito, a religião e a política, o fiel e o súdito no âmbito de dois princípios nos quais se havia baseado o complexo social durante o período medieval: a Igreja e o império... Foi humanista: seu huma­nismo não se contentou com a procura de códices e de formas belas, mas consistiu numa valoriza­ção do homem e da natureza — “dignificare naturam”— enquadrando de forma cristã a essên­cia daquele e a realidade desta numa síntese de razão e revelação” (P. Rotta-G. Santinello, Dic. de filósofos).

 

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Ed. de von Ernst Hoffmann, 1932; La Docta Ignorancia. Tradução de Manu­el Fuentes Benot, Buenos Aires 51981; P. Rota, Nicolás de Cusa. Milán 1942. 

 

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