História da Igreja

Orígenes (186-254)

Nascido de pais cristãos em Alexandria, Orígenes foi o membro mais eminente da escola catequética alexandrina. Dedicado totalmente ao estudo dos filósofos gregos e aos textos sagra­dos, primeiro desenvolveu uma atividade impres­sionante como diretor da escola catequética e, depois, como pregador em Cesaréia de Palestina, onde prosseguiu como mestre e escritor. Morreu em Tiro, em conseqüência das torturas a que foi submetido durante a perseguição de *Décio. Orígenes apresenta um estilo inconfundível, tan-to em sua vida quanto em seus escritos, marca­dos por seu afã de ser discípulo cristão. Seu dese­jo de martírio e sua posterior autocastração são exemplos deste empenho de ser cristão até as úl­timas conseqüências.

Sua produção literária foi amplíssima. São *Jerônimo atribui-lhe cerca de 800 obras. O edi­to de Justiniano (543) contra ele e o juízo do V Concílio Ecumênico (553), que o incluía entre os hereges, provocaram a perda de boa parte da pro­dução do alexandrino. Suas obras estão divididas em quatro blocos gerais: a) Bíblicas e exegéticas, entre as quais se deve contar, em primeiro lugar, sua edição da Bíblia (AT) em seis línguas, conhe­cida com o nome de Hexapla. Os scholions, ou notas sobre passagens difíceis da Bíblia, e os co­mentários ou tomos, análises minuciosas de li­vros inteiros bíblicos. b) Teológicas, como o li­vro De principiis, que é a primeira tentativa de teologia sistemática. c) Apologéticas. Destas so­mente conservamos o seu livro Contra Celsum, destinado a rechaçar o Discurso verdadeiro deste autor. d) Ascéticas. Dois escritos: Sobre a oração e Exortação ao martírio, além de duas cartas e fragmentos de outras obras.

A doutrina de Orígenes constitui o primeiro grande sistema de filosofia cristã. Distingue, no cristianismo, doutrinas essenciais e doutrinas acessórias. Todo aquele que recebeu o dom da palavra tem a obrigação de interpretar as primei­ras e explicar as segundas. Orígenes empreendeu uma e outra pesquisa.

— Seu trabalho exegético dos textos bíblicos deixa claro o significado oculto e, por conseguin­te, a justificativa profunda das verdades revela­das. Distingue um triplo significado na Escritura:

o somático, o psíquico e o espiritual, que se rela­cionam entre si como as três partes do homem: o corpo, a alma e o espírito (De princ., IV, 11).

— A passagem do significado literal ao ale­górico das Escrituras é a passagem da fé ao conhecimento. Acentua a diferença entre um e outro e afirma a superioridade do conhecimento que compreende em si a fé (In Joannem, XIX, 3). Ao aprofundar-se, a fé se transforma em conhe­cimento.

— As Escrituras são, pois, o ponto imprescin­dível, porém mínimo, para o conhecimento com­pleto. Existe um Evangelho eterno que vale para todas as épocas do mundo e somente a poucos é dado a conhecer (De princ., IV, 1s).

— Contra os hereges afirma a espiritualidade de Deus. Deus não é um corpo e não existe num corpo. É de natureza espiritual e muito simples. Para expressar essa unidade, Orígenes emprega

as palavras mônada e ênada — termos pitagórico e neoplatônico, respectivamente — que expres­sam a singularidade absoluta de Deus.

— O Logos ou verbo é o exemplar da criação, a idéia das idéias, e todas as coisas são criadas pelo Logos, que atua como mediador entre Deus e as criaturas. É certamente co-eterno com o Pai, mas não o é no mesmo sentido. A eternidade do Filho depende da vontade do Pai. O Espírito San­to é criado não diretamente por Deus, mas atra­vés do Logos.

— Orígenes explica a formação do mundo sensível pela queda das substâncias intelectuais que ocupavam o mundo inteligível. O mundo vi­sível não é, pois, outra coisa senão a queda e a degeneração do mundo inteligível e das puras essências racionais que o habitam.

— As almas foram criadas por Deus exata­mente iguais umas às outras, mas o pecado, num estado de pré-existência, fez com que fossem revestidas pelos corpos, e assim as diferenças qualitativas entre as almas se devem ao compor­tamento destas antes de sua entrada neste mundo. Desfrutam do livre-arbítrio e seus atos dependem não só de sua livre escolha, mas também da graça de Deus, que é distribuída conforme sua conduta no estado de pré-encarnação.

— Interpreta a ação da mensagem cristã como uma ação educadora que conduz o homem gra­dualmente para a vida espiritual. Essa é a função do Logos que se encarnou em Cristo. “Jesus afasta a nossa inteligência de tudo aquilo que é sensível e a conduz ao culto de Deus que reina sobre todas as coisas” (Contra Celsum, III, 34). Nisto consis­te a obra da Redenção.

— A educação do homem como retorno gra­dual à condição de substância inteligente e livre verifica-se através de graus sucessivos de conhe­cimento. Do mundo sensível, o homem eleva-se à natureza inteligível, que é a do Logos, e do Logos até Deus. Mediante esse processo, todas as almas — inclusive o diabo e os demônios —,

 

mediante um sofrimento purificador, conseguirão a união com Deus. Todas as coisas serão restau­radas e regressarão a seu último princípio: Deus. Assim se realizará o ciclo do retorno do mundo a Deus, e Deus será tudo em todos. Tal é a chama­da apocatástasis ou restauração universal.

Tais são os traços fundamentais do sistema de Orígenes, no qual pela primeira vez o cristianis­mo recebe uma formulação doutrinal orgânica e completa. O platonismo e o estoicismo constitu­em as duas raízes fundamentais pelas quais se une à filosofia grega.

Não obstante, a síntese cristã de Orígenes está longe de ser completa. Frente a grandes conquis­tas e acertos na interpretação do cristianismo, como são a exigência da liberdade humana e o destino da humanidade inteira vinculado à reden­ção de Cristo, há outros pontos que Orígenes não soube ver e situar, como o sacrifício de Cristo ou a ressurreição da carne.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 11-17; Contra Celsum. Versión, introducción y notas de D. Ruiz Bueno (BAC); J. Quasten, Patrología, I, 338-397; Tradução francesa das Homilias sobre o Gênesis, com estudo de H. de Lubac (SC 7). Paris 1944. 

 

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