Escolas e universidades (séc. IX a XIII)
Para conhecer o pensamento cristão e sua evolução, é imprescindível entender o papel das escolas e universidades. Também é necessário saber o papel que a Igreja desempenhou na gênese e no desenvolvimento destas instituições. Já vimos algumas das escolas teológicas da Antigüidade, estabelecidas em volta dos centros urbanos e culturais (*Escolas teológicas). Agora nos referimos às escolas e universidades como centros da ciência e do saber não apenas religioso, mas também geral.
Depois da queda do Império no Ocidente, a Igreja destacou-se na transmissão da cultura clássica. E o fez fundamentalmente através das escolas que se formaram em volta dos mosteiros: são as chamadas escolas monásticas ou abaciais. Posteriormente, com o auge das catedrais formaram-se em volta destas as escolas catedralícias ou capitulares. E, a partir do séc. IX, as escolas palacianas ou reais, nascidas sob o patrocínio dos reis. Exemplos destas últimas podem ser as organizadas por Carlos Magno, sob a direção de *Alcuíno, como as escolas palatinas de Aquisgrano e de Tours. Das catedralícias, tornou-se famosa a de Chartres. E das monásticas, as de St. Gall, Corbie e Fulda, e as da Irlanda e Inglaterra.
Nos mosteiros, proporcionava-se educação não apenas àqueles alunos destinados a converter-se em membros da ordem religiosa, mas também a outros discípulos. O mesmo acontecia nas escolas capitulares e palatinas. Quanto ao con-junto de matérias de estudo, ou curriculum, consistia, além do estudo da teologia e da exegese, especialmente para os discípulos que se preparavam ao sacerdócio ou à vida religiosa, no estudo do Trivium e Quadrivium. Estes constituíram, durante muito tempo, na Idade Média, as chamadas “sete artes liberais”, isto é, as artes do homem livre, diferentes das artes do homem servil, chamadas “artes mecânicas”. Essa divisão, conhecida desde a Antigüidade clássica, ficou definitivamente consagrada por Alcuíno. O Trivium compreendia: gramática, dialética e retórica. E o Quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música.
A evolução e a influência dessas escolas pertence à história da Idade Média. Para nós é interessante relembrar a contribuição das mesmas à cultura: foram um centro do saber antigo e transformaram-se, a maior parte delas, em bibliotecas de obras teológicas e religiosas, que constituíam
o grosso dos catálogos: obras jurídicas ou gramaticais e certo número de autores clássicos. Exemplo delas é a escola de York (Inglaterra), principal centro de educação do país, famosa pela riqueza de sua biblioteca. O mesmo se pode dizer da de Tours, na França, e da de Palência, na Espanha. A riqueza de seus pergaminhos identificou-se com a de seu saber.
Das escolas, principalmente das catedralícias, surgiram no séc. XIII as universidades. A “universitas” ou universidade não designava, na Idade Média, o conjunto de faculdades estabelecidas numa mesma cidade, mas o conjunto de pessoas, mestres e discípulos, que participavam no ensino que se dava nessa cidade. Bastava a necessidade de se dirigir ao conjunto de professores e estudantes que residiam num mesmo lugar, para que a expressão se empregasse naturalmente. Um studium generale, ou universale, ou também commune, não era o lugar onde se estudavam todos os conhecimentos, mas um centro de estudos no qual podiam ser admitidos estudantes de procedências diferentes. A expressão aplicava-se, principalmente, às escolas abertas pelas ordens religiosas nas cidades, que podiam ser centros importantes do ponto de vista da ordem, mas que não possuíam universidade.
O surgimento das universidades é um fenômeno europeu, assim como o das catedrais. A primeira universitas que se transformou num corpo organizado regularmente e numa entidade coletiva análoga às nossas universidades é a de Bolonha (1119). Seguiram-lhe a de Paris (1150), Oxford (1166), Cambridge (1200), Palência (1208), Salamanca (1218), e muitas outras. Todas elas nascidas das escolas catedralícias, adquiriram já no século XIII o caráter de instituições de educação superior de artes liberais e ciências, com colégios maiores e escolas profissionais com competência para conferir graus. A partir também do séc. XIII, as universidades adquiriram a independência econômica e jurídica, que lhes conferiram principalmente os imperadores e os papas. Também a partir desta época, transformaram-se em universidades ou centros onde se estudavam as “essências” ou “universais”, isto é, a generalidade dos estudos.
Porém, as universidades, no seu início, são, como a de Paris, “o meio de ação mais poderoso de que dispunha a Igreja para expandir a verdade religiosa no mundo inteiro, ou ainda uma fonte inesgotável de erros, capaz de envenenar toda a cristandade. Inocêncio III foi o primeiro a querer, resolutamente, fazer dessa universidade uma mestra de verdade para a Igreja inteira, e que transformou esse centro de estudos num organismo cuja estrutura, funcionamento e lugar foram definidos na cristandade com esse único ponto de vista”. “Se o esquecemos tanto — continua E. Gilson
— que freqüentemente discutimos sobre esse organismo como se fosse comparável a qualquer de nossas universidades, os homens da Idade Média tinham, ao contrário, clara consciência do caráter especial e único da Universidade de Paris. O studium parisiense foi uma força espiritual e moral cuja significação mais profunda não foi nem parisiense nem francesa, mas cristã e eclesiástica; foi um elemento da Igreja universal, dotado do mesmo direito que o sacerdócio ou o império” (E. Gilson, A filosofia na Idade Média). O mesmo vale para a Universidade de Oxford. “O interesse religioso era tão forte quanto em Paris”. “O pensamento filosófico inglês pôs a serviço da religião a Matemática e a Física, tal como acabavam de revelar-lhes as obras dos sábios árabes (Ibid.).
Das universidades saíram aperfeiçoados os currículos de estudos, os métodos de ensino, como a lição e a discussão, as quaestiones disputatae e as quaestiones quodlibetales, que caracterizariam todo o sistema educativo medieval. Delas saíram eminentes professores e mestres. Também proveio das universidades uma doutrina filosófica e teológica conhecida como Escolástica. E finalmente, “o monumento no qual o pensamento medieval alcança plena consciência de si próprio e encontra a sua expressão acabada, a Summa theologica de Santo *Tomás de Aquino. É o re-sumo completo e sistematicamente ordenado de todas as verdades da teologia natural e sobrenatural, classificadas conforme uma ordem lógica, acompanhadas de demonstrações mais breves, enquadradas entre os mais perigosos que a contradizem e a refutação de cada um destes erros: tudo para uso dos principiantes em teologia. A Summa theologica de Santo *Tomás e o Comentário às Sentenças de São *Boaventura são magníficos exemplos das fecundas virtualidades que possui o exercício de um ensino elevado para o pensamento do próprio mestre”
(E. Gilson, o.c., 373).
BIBLIOGRAFIA: B. Llorca-R. García Villoslada-F. J. Montalbán, Historia de la Iglesia Católica, II (BAC 104). Madrid 1968. Concretamente: II. La enseñanza universitaria, 918-970, com a extensa bibliografia que acompanha
ACESSE curso TEOLOGIA
https://teologia-sistematica.webnode.page/