História da Igreja

Pico de la Mirândola, João, Conde de Concórdia (1463-1494)

Esse jovem aristocrata do “quattrocento” ita­liano é chave para se entender o humanismo. Pro­vocador em sua vida, em seus gestos e em seus escritos, encarna o desejo do saber universal além das formas e das escolas. Ensaiou um tipo de vida e de pensamento original, rompendo os moldes de seu tempo. Não se limitou ao estudo do latim e do grego — que começam a dominar nos ambi­entes cultos da Itália —, mas se iniciou no conhe­cimento das línguas orientais: hebraico, árabe e caldeu. Mergulhado na verdade filosófica e reli­giosa — acima de tudo — trata de procurá-la em Platão, Aristóteles e Averróis; estudou as Escri­turas cristãs e os Oráculos caldeus, a cabala e o Corão. Viveu onde viveu a ciência: Ferrara, Pádua, Florença, Paris. Escutou *Savonarola, sem tomar partido por sua causa, e se aproximou de *Ficino, sem entrar em sua escola nem no círculo de seus amigos.

— Porém, o que mais se destacou neste jo­vem inquieto foi seu entusiasmo pelos novos ide­ais científicos. Estimulou-o a verdade filosófica e religiosa — que se apresenta nua a quem a pro­cura com afã — e que deve ser transmitida aos demais tal como é, sem as roupagens da retórica. Em 1486 irrompeu na vida pública com a apari­ção em Roma de suas 900 Conclusões ou Teses (Conclusiones philosophicae, cabalisticae et theologicae). Das 900 teses, 402 foram tomadas das mais díspares fontes culturais: filósofos e te­ólogos latinos, peripatéticos árabes, platônicos, matemáticos, pitagóricos, teólogos caldeus, Hermes Trismegisto, cabalistas hebreus. As de­mais eram fruto de sua reflexão pessoal. Umas queriam introduzir novas verdades filosóficas; outras tentavam demonstrar a verdade sobre o cristianismo, como ponto de convergência da tra­dição cultural, religiosa, filosófica e teosófica de diversos países. Essas teses deveriam ser discuti­das por sábios de todo o mundo, num congresso

convocado e sufragado por Pico, e que não se le­vou a efeito.

— Passou à história do pensamento com Oratio de hominis dignitate, que precedeu às Conclusões como introdução. O homem é, para ele, o centro da realidade, colocado por Deus para que pudesse escolher livremente a meta de suas aspirações e viver, de acordo com sua escolha, a vida das bestas ou a dos seres divinos.

 

— Pico nega a proposição neoplatônica de que

o homem é intermediário entre o mundo terreno e o divino. O homem não é copula mundi, nem mensura mundi, nem microcosmos. O homem não tem teto nem medida: pode ser o que quiser. O homem encontra-se fora dessa hierarquia e pos­sui uma capacidade ilimitada para o auto-aper­feiçoamento espiritual. O valor da verdade filo­sófica encontra-se em sua capacidade de purifi­car a alma humana e de contribuir para a sua per­feição.

�.                 Pico expressa essas idéias na célebre pas­sagem do Discurso sobre a dignidade do homem. Diz assim: “Por fim me pareceu chegar a enten­der por que o homem é o ser vivo mais feliz e, por isso, o mais digno de admiração. E cheguei a entender também qual é a condição que lhe cou­be na sorte dentro do universo... Tu marcarás tua natureza segundo a liberdade que te entreguei, pois não estás submetido a nenhum caudal estrei­to. Não te fiz celeste nem terrestre, nem mortal nem imortal. Tu mesmo deves dar-te a forma que preferires para ti”.

�.                 Pico é um eclético: a) Sustenta que todas as filosofias contêm verdades de valor. b) Platão e Aristóteles coincidem substancialmente na con­cepção do ser e do uno (De ente et uno, 1492). c) Desenvolve a idéia de um fundo primitivo de sa­bedoria divina desde as obras dos herméticos até

 

o cabalismo judeu que, segundo ele, encerrava uma tradição de saber essencial para a interpreta­ção da Bíblia. d) Vê a natureza impregnada de um hálito divino. Em sua obra Disputationes adversus astrologiam (1493), opôs-se à astrolo­gia e à magia convencional, qualificando-as de “inimigas da religião”. Não obstante, Pico pro­cura algo mais profundo do que a bela forma lite­rária: a verdade filosófica e religiosa. “Com isso, a cultura renascentista, saindo da fase filológica e literária, começou a caminhar para uma con­cepção científica e ao mesmo tempo religiosa do universo”.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Ed. de E. Garin, Tu­rim 1971; P. O. Kristeller, Ocho filósofos. México 1974, com bibliografia; Humanismo y Renacimiento. Tradução e sele­ção de Pedro R. Santidrián, em que aparece o Discurso so­bre la dignidad del hombre, 121. 

 

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