História da Igreja

Libertação, Teólogos da

A “Teologia da Libertação” é um dos fenô­menos mais complexos da América Latina, já transportado para outras regiões como África e Ásia. É um fenômeno universal em nível sóciocultural e político e, sobretudo, eclesial. Dada a confusão e desorientação em torno do tema, e dada a imensa literatura produzida em volta dele, fazemos uma nota sobre as causas, os autores e o alcance de tal teologia.

Embora o fenômeno venha de longe, nos últi­mos quarenta anos a América Latina vive e sente a profunda decepção de comprovar como o de­senvolvimento, com toda a sua seqüela de populismos, justicialismos, comunismos, não con­seguiu tirá-la do subdesenvolvimento. Começa também a tomar consciência não só deste, mas da dependência econômico-política, causa, em boa parte, desse subdesenvolvimento. Constata­se assim a miséria de grande parte de seus habi­tantes junto à escandalosa desproporção na dis­tribuição da riqueza e da cultura, que coloca o poder de todo tipo em mãos de uns poucos.

As soluções propostas a esta situação propici­aram todo tipo de movimentos desde o comunis­mo em Cuba até as diferentes ditaduras que, como febre recorrente, sucederam-se durante esses anos, em boa parte das repúblicas sul-americanas, sem se esquecer, é claro, a guerrilha e as frentes de libertação. Até os homens da Igreja tomam as ar­mas para lutar por uma justiça que não parece poder conseguir-se de outro modo. Tal é o caso, verdadeiramente espetacular, do padre colombi­ano Camilo Torres, morto em 1966 e que passará à mitologia guerrilheira.

Na Igreja do Concílio *Vaticano II surge outra linguagem. A reflexão sobre a sua doutrina pôs em circulação os termos “conscientização” e “li­bertação”. Urge conscientizar o povo de sua mísera situação e empurrá-lo à sua libertação. “Podería­mos dizer — escreveu Paul Richard, teólogo da libertação — que a Igreja européia viveu o Con­cílio sob o signo da revolução da burguesia mo­derna e que a Igreja latino-americana viveu o Con­cílio sob o signo da revolução dos explorados por essa burguesia moderna. A teologia européia con­frontava o problema fé-ciência e entrava num pro­cesso de secularização, desclerização e desmitologização. A Igreja latino-americana, ao contrário, confrontava o problema fé-revolução e entrava num processo de libertação”.

Esse “processo de libertação” foi tomando consciência e aplicação na práxis das comunida­des de uma forma lenta, mas progressiva. Um de seus fatores mais importantes é representado pe­los “teólogos da libertação” que refletem indivi­dualmente e em equipe em Roma, no Escorial, em Lima, na Bélgica etc., sobre os diferentes as­pectos do problema. Pouco a pouco vai-se siste­matizando uma doutrina, perfila-se um método, criam-se agentes pastorais. E, o que é mais im­portante, geram uma nova consciência e uma nova disposição. Nascem as comunidades eclesiais de base.

O primeiro em sistematizar a doutrina da libertação é o sacerdote peruano Gustavo *Gutiérrez, em sua Teologia da libertação (1971), obra traduzida para todas as línguas modernas. Esta teologia não quer ser uma “teologia univer­sal”, aplicável em todo tempo e situação. É uma teologia para a situação que vive a América Lati­na, que “não é de subdesenvolvimento, mas de opressão”. Medellín a chamará “situação de in­justiça ou de violência institucionalizada, em vir­tude das estruturas que violam os direitos básicos do povo”.

Para Gutiérrez, a Teologia da Libertação “não oferece tanto uma nova temática de reflexão quan­to um novo método de fazer teologia”. Contraria­mente à teologia tradicional européia, parte da situação concreta da opressão em que vive o povo, frente à qual se compromete com os oprimidos. Por isso, a Teologia da Libertação “é uma refle­xão crítica sobre a práxis cristã à luz da Palavra”. Servindo-se da análise da realidade que faz o marxismo, esta teologia postula “uma libertação total do homem e da realidade”, “uma salvação aqui e agora” do homem completo. A salvação é interpretada em termos de libertação política, de compromisso real com o pobre, e das estruturas de opressão em que vive.

Os teólogos da libertação inspiram-se na exegese bíblica, dando um papel central ao texto do Êxodo. Negam além disso que textos como Lc 6,20-21; 24-25 e outros semelhantes nada te­nham a ver com a pobreza; que a morte de Jesus não tenha nenhum aspecto político e que a justi­ficação esteja brigada ou divorciada da justiça de cada dia. Segundo Gustavo Gutiérrez, na Teolo­gia da Libertação cabem três níveis de significa­ção “libertação política, libertação do homem ao longo da história, libertação do pecado e entrada na comunhão com Deus”.

Como se vê, o termo libertação, amplamente utilizado, encerra uma grande riqueza de signifi­cados, conforme os contextos e âmbitos em que se empregue, e também segundo os diferentes autores ou teólogos da libertação. José Porfírio Miranda, mexicano, estudou a libertação na Bí­blia sob o ponto de vista de Marx e do comunis­mo. Assim, em Marx e a Bíblia (1971); Comu­nismo na Bíblia (1981); O humanismo cristão de Marx (1978) e em outras obras. O jesuíta uru­guaio Juan Luís Segundo acentua a dimensão pastoral do movimento com sua Teologia para os artífices de uma nova humanidade (1968-1972) e Libertação da teologia (1975). Dom A. Oscar Romero defendeu a libertação desde a “radicalidade evangélica”, até dar a vida por seu povo. E *Hélder Câmara, desde a injustiça e a opressão que sofre a população desprotegida do Brasil: “Trato de enviar homens ao céu, não ove­lhas. E certamente não ovelhas com o estômago vazio e esmagados seus testículos”. Outros mati­zes da idéia de libertação podem encontrar-se em teólogos como Comblin, C. e L. *Boff, I. Ellacuría, J. Sobrino, e no mesmo J. Míguez Bonino, protestante, que escreve sua teologia na perspectiva argentina. Deste fundo comum, cabe ver e interpretar a teologia asiática do japonês Kosuke Koyama (1929-); a africana de John Mbiti (1931-), queniano; do sul-africano *Smangaliso Mrhatshwa (n. 1939); do haitiano, depois presi­dente da República do Haiti, padre Aristides, e outros que fazem uma teologia da libertação ne­gra, feminista, “de cor” etc., baseada no evange­lho “do amor e da justiça”.

BIBLIOGRAFIA: R. Oliveros, Liberación y teología. Génesis y crecimiento de una reflexión (1966-1976). Méxi­co 1977; Teología de la liberación: Missão aberta 4 (1984); Práxis de Libertação e fé cristã, Concilium 96 (1974); R. Manzanera, Teología y salvación-liberación en la obra de

G. Gutiérrez. Bilbao 1978; Juan José Tamayo-Acosta, Para comprender la teología de la liberación. Verbo Divino, Estella 31991. 

 

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